30 de janeiro de 2011

Respeita a polícia, vagabundo!

Puta que pariu. Puta que o pariu. Dizem que ela existe para ajudar. Dizem que ela existe para proteger. Eu sei que ela pode te parar. Eu sei que ela pode te prender. Você acredita no Estado? Eu fazia umas piadas de vez em quando. Eu dizia, quando aparecia a polícia fazendo a ronda: olha aí galera, o braço armado do Estado mantendo a ordem!. Eu acredito no Brasil. Sério. O Andrey, o Eduardo e o Geraldo podem garantir. Não vou mentir. Eu acreditava. Votei nos políticos nos quais eu acreditava que poderiam ser os baluartes de uma futura esperança. Esperança de Liberdade. Uma Liberdade que tanto me aflige por ser tanto bonita quanto difícil. Uma crença muito insipiente, saca? Acredito no Brasil mais por um sentimento qualquer de esperança do que pelo o que eu vejo nas ruas. Você sabe o que é ficar sem respirar de uma hora para outra? Você sabe o que é se vomitar tentando retornar ao seu estão normal? Se vomitar. Você sabe o que é chegar para aqueles que deveriam ser os seus defensores e se sentir ofendido? Você sabe o que é se sentir ofendido por alguém que se acha no direito de te bater? Por te achar vagabundo? Eu acreditava no Brasil. Poucas vezes eu senti raiva como estou sentindo agora. Poucas vezes eu me senti tão impotente por depender de um direito que, ao invés de me escutar e me ajudar, manda eu me retirar senão vou sofrer as conseqüências. Eu via na televisão os protestos que aconteciam no mundo. Pessoas muito distantes de mim levando spray de pimenta no rosto ou gás lacrimogêneo com o objetivo de serem dispersas. Eu me sentia muito distante disso. Para ser sincero, eu sentia uma força que me impelia para acreditar no meu mundo. Algo meio que, fazendo minha parte, estudando a sociedade, entendendo-a, poderia compreendê-la e, quem sabe, ajudar na sua transformação. Puta que pariu, cara. Que país é esse em que o próprio país não acredita no brasileiro? Perdi a pouca esperança. O Brasil que a gente torce de quatro em quatro anos, que a gente saiu na rua, no centro de Fortaleza, para pedir respeito do Enem, e protestar contra o aumento salarial dos parlamentares, não existe. O Brasil existe para manter você na lei. Na lei do silêncio. Na lei do mais forte. Vocês podem pensar: Conhecendo o Filipe, boa coisa ele não estava fazendo para estar falando isso. Eu, como também a maioria daquelas outras pessoas, não estava fazendo nada. Vou narrar. Prestem atenção. Eu estava no pré-carnaval da Praia de Iracema, uma festa muito conhecida aqui em Fortaleza. Vi muitos conhecidos meus. Paquerei à vontade, me diverti pacas. Coisas que se faz em uma festa. Bebe-se? Sim, bebe-se, para se soltar, ficar mais socializável. Era noite. Era não, é noite. A pouco tempo eu estava lá.De forma muito natural eu escutei a sirene do Ronda do Quarteirão se aproximando. Uma aglomeração daquela precisa de um policiamento reforçado. Posso ficar na minha, afinal, sou um bom cidadão. Era naquela bifurcação que existe um posto de gasolina perto da Praia de Iracema.

Quando eu era pequeno, tinha grande medo de cachorro. Todo cão era um predador em potencial. Sempre saia correndo. E o cachorro, a me ver apavorado, corria atrás de mim. Devia ser cenas até risíveis: Uma criança correndo pela rua, gritando, com um cãozinho atrás. Depois meu pai me ensinou que bastaria não demonstrar medo e não sair correndo, que nada iria acontecer. E era verdade, depois que mudei minha postura, nenhum cachorro correu mais em meu encalço. Atitude mais ou menos parecida eu tenho, tinha, com a polícia. O que você entende por polícia? Eu entendia que eu podia ficar na minha. Bastava eu ficar na minha para a viatura passar direto, pois, afinal, eu não estava fazendo nada de errado. Ela iria passar direto. Por mais que as pessoas fugissem tossindo quando a viatura passava por elas, eu me senti incólume, me senti até com algum sentimento de segurança, a viatura passando fazendo a ronda, mantendo a política da boa vizinhança. Quando um ladrão te rouba, você chama a polícia. Quando a polícia te humilha? O que você faz? Vai chamar quem? A polícia? A viatura passou na minha frente. Eu, inconsciente, fiquei parado, esperando passar. Por que aquelas pessoas estavam fugindo tossindo sem parar? Nem as escutei. Pensei que, estando no meu canto, se não me mexesse, se não fugisse, eu estaria com a razão, e à salvo. Fiquei parado, sozinho, do lado da viatura. Você sabe o que é perder o fôlego de uma hora para outra? Eu não sabia. De repente você sente como se perdesse o controle. Não sabe o que fazer, pois existe algo dentro de você queimando feito brasa. Sua primeira reação é se encolher. Mas a dor é grande. Como se existisse um fogo nas suas narinas. De repente. Vem vê nem pra quê. Vou ser sincero. Como a dor parecia que vinha do ar, eu coloquei minha blusa no meu nariz, reação normal de quem está passando por um local fédito. Resultado: eu me vomitei. Quando coloquei a blusa para proteger o nariz, encolhido, com a cabeça baixa, eu vomitei. Não agüentei. Não conseguia respirar tal era a dor que eu sentia no meu nariz. Fui burro. Só agora, escrevendo o texto, percebo que acreditei no conto do vigário. Acreditei que a polícia existe para manter a lei. Manter a Lei do Silêncio. Isso por que, depois de ficar vomitando no meio da rua, uma espécie de constipação alcoólica-lacrimogêniosa, tomas vários goles de água que meus amigos ofereciam, inalar água, água, colocar uma mão encaxaida na outra em forma de concha e tentar respirar a água para ver se a dor da queimação passava, eu fiquei muito puto. Quem foi o responsável por isso? A polícia! Você, que está lendo, pode imaginar que estou sendo maluco, por fazer disso um caso alarmante, ou que isso mais parece uma teoria da conspiração. Você tem o seu direito. Tanto quanto eu. Tenho meu direito de cobrar por um serviço mal resolvido. Sujo, vomitado, todo molhado, eu fui em direção à viatura. Ela ainda representa o Estado. O Estado existe para me proteger. Ordem superior. Foi isso o que eu escutei. Escutei de um cara que parecia não ter muito mais que minha idade. Quantos anos você tem? Quantos anos você acha que eu tenho? Ele me respondeu, secamente. Espinha no rosto. Óculos e um rosto que me te encara como se fosse um cachorro policial. Eu estava parado, no meu canto, e vocês passaram com a viatura. Eu me senti mal cara, como vocês fazem isso comigo? Ordem superior. Como assim ordem superior? Com uma ordem superior vocês se acham no direito de machucar as pessoas? Que polícia da boa vizinhança é essa? Cara, é melhor você sair daqui, para o seu bem. Como é? Não estou entendendo. Uns quatro caras chegaram por de trás do policial que eu estava conversando. O que está acontecendo aqui? Cara, se não quiser sofrer as conseqüências, sai daqui e vai procurar tua turma. Quatro caras parrudões, cassetetes na mão e a determinação de manter tudo em seu lugar.

Eu aprendi que a pessoa só recorre à força se não tiver idéia na cabeça. Eu chorei. Sério mesmo. No calor do momento lágrimas de revolta se juntaram às lágrimas causadas pelo gás que eles deixaram no ar. As pessoas que me conhecem sabem como eu tenho algumas esperanças, que, mesmo que aparentemente utópicas, tem como objetivo uma boa sociedade. Às vezes elas meio que parecem distantes da realidade, mas são coisas que me fazem acreditar num mundo melhor. Trocando em muídos, sou um Sonhador, no sentido mais caricatural da palavra, mesmo. Chorei como uma criança que descobre que não adianta chorar para ganhar algo que se quer. Chorei porque minhas mucosas ardiam muito. Eu acreditava no Estado. Acreditava mais como se acredita em Deus, como algo que você sabe que existe, mas não consegue provar a existência, e acredita na salvação. Há muito tempo eu acreditei em Deus. Deixei de acreditar no dia em que vi que meu caminho só eu posso trilhar e só eu seria o único responsável direto e indireto pelas minhas escolhas. Eu achava o Estado, como se pode ver pela postagem anterior, como um mal necessário. Um mal que, ao mesmo tempo que reprime, protege a sociedade dela mesma. Mas eu estava enganado. Eu estava certo, não sei. Fiquei muito triste mesmo. O Estado é Deus. E ele não precisa que alguém acredite nele. Ele escreveu certas leis que você tem que obedecer. Ele te ama e te protege. Mas se você não o obedecer, vai para um lugar de fogo e aflições por toda a eternidade. Difícil distinguir se estou falando de Deus ou do Estado, não? Ele se faz representar sob a determinação de manter tudo em seu lugar.

O Estado procura ser forte. Colocar-se acima das pessoas. Tenta, ao contrário de encarnar a vontade coletiva da nação, criar uma identidade que a sociedade se identifique. Sempre pensei que só recorre à força física quem não tem força nas idéias. E o fato de pensar que aqueles guardas tinham mais ou menos a minha idade, não me deixa menos triste. Quando a gente é mais novo, que começa a criar as idéias socializantes, começa a se revoltar contra algo que acha injusto, sonha com um futuro no qual seus companheiro o ajudarão numa empreitada de igualdade e respeito.

Nada vai mudar. Os policiais continuaram ali e, com certeza, nas próximas aglomerações, lançarão gases para dispersar a multidão. Acho que lançaram demais. Deve haver alguma recomendação que os aconselhe de ir soltando aos poucos gases irritantes para as pessoas pensarem que estão começando a passar mal e irem embora para casa. Ordem superior. Não consegui respirar. Me encolhi o máximo que pude. Reação involuntária de vomitar. Reação voluntária de mandá-los à puta que os pariu. Com certeza nem os policiais próprios sabem o que estão fazendo. Devem pensar que alguém andando de madrugada no meio da rua ou é o filho do delegado que saiu tarde demais da casa da namorada ou é um bandido procurando sua próxima vítima. Usam como justificativa a ordem de superiores para julgar quem é bom e quem é ruim. É muito fácil julgar quem é o covarde quando se está com uma arma na mão.

Meus amigos tentaram me consolar me dando uns goles de bebida e uns tapinhas camaradas nas costas. Não consegui beber. Filipe, tu é maluco? Pedir satisfação pra policial? Filipe, ainda bem que eles conversaram contigo, ainda bem que tem muita gente olhando, se tu fosse negro, mal vestido e numa periferia, BUM, quer falar o quê? BUM, fala de novo que eu não tou escutando, BUM marginal, BUM ladrão, BUM para tu aprender. Aprender o quê? Que tenho que ficar calado senão vou sofrer as conseqüências? Estranho isso, eu sou brasileiro. Mas parece que o Brasil não existe no chão onde piso. Está acima de mim. Como uma nevoa que me impede de saber para onde estou indo. Eu sei que eu fiquei sem respirar, eu sei que eu me vomitei, eu sei que um policial me ameaçou. Eu sei que sou um cara de bem. O Brasil sabe disso? Deve saber, mas finge não acreditar. Há 500 anos essa banca manda a vera, abaixou a cabeça já era...



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