28 de março de 2011

Vou dormir assim que terminar isso aqui.

Eu não devia ficar acordado até mais tarde. Não porque terei aula amanhã, mas porque eu fico sem paciência alguma pra ler, e fico dando asas ao meu pensamento. Um amiga minha disse que pensar demais é ruim. Sim, pensar demais é foda, viu? Pela madrugada, então?


Nunca pensei que iria fazer um texto metalingüístico na minha vida. Se eu disse que tenho cinco rascunhos de textos para colocar no blog, você acredita? É o que dá: inventar de escrever sem ter habilidade. Texto 1, o mais antigo da fila, chama-se Classe Média Way of Life, falo da minha indignação por uma pseudo moral brasileira que concilia riqueza com ignorância e ainda falo da minha relação com minha família recém ingressa na classe média pelos padrões do Ibope – ou pelo menos eu tento né? O Texto 2 eu acabei de escrever. Só estou encrevendo esse porque não consegui terminar esse Texto 2. Estou com o coração tão atribulado que comecei falando mal dos professores e quando vi estava falando sobre uma menina que conheci e que me impressionou tanto que não posso me estender senão vou acabar só falando dela nesse texto aqui também. O Texto 3 é sobre o fato de eu me sentir horrível quando lembro que por mais que a nossa dor de barriga seja muito forte, a soma dos ângulos de um triângulo sempre é 180. Sem contar na admiração que eu tenho naquela cena do Matriz que quando Neo se aproxima do menino que entorta colheres de prata, ele não consegue repetir o feito. Como é possível?, pergunta. O garoto responde: Não existe colher. Neo tenta de novo e consegue. Texto 4 é uma tentativa de falar sobre a dificuldade que um trabalho da faculdade está me dando. É o trabalho menos preocupante do semestre, visto que o professor só cobra a entrega do trabalho, sem coisas de tamanho ou qualidade. Estou tentando começar a estudar Edgar Morin e analisar a música Não Vou Me Adaptar, do Arnaldo Antunes. O quinto texto, bem, o quinto texto é uma verborragia confessional sentimental que só vale a pena ser publicada depois de minha morte. Só assim poderei escapar da vergonha quando meus leitores se entreolharem a se perguntarem: Quanto tempo da minha vida eu perdi lendo essas porqueiras de textos... É, acontece. Muito mais fácil e seguro falar de Hegel do que do que se passa na mente e no peito.

Muito provavelmente não os publique. Se os publicar, será depois de muito editá-los. Um autor idiota e incipiente deve ter mais cuidado ao fazer seu texto do que um gênio. Sim, porque as palavras já saem da mão do gênio crivadas de sua genialidade, escoam como água dum rio caudaloso pela ponta da caneta, é maravilhoso, sublime, encaixadas já na medida certa de cutucar o canto dos lábios do leitor. Falando assim acho que vou ler de novo Memórias Póstumas de Brás Cubas.

O escritor idiota e incipiente, nisso eu posso falar com autoridade, visto que sou o mais proeminente dos diletantes, deve suar, deve não, quem deve suar para escrever são os gênios calculistas como Cabral de Melo Neto; nós, os incipientes, só conseguimos suar e nada mais. Não passamos da fase de verter líquidos pelos poros e acabamos escrevendo textos que são, na verdade, notas de rodapé dos livros dos autores de que somos fãs.

Passei a noite toda tentando escrever algo legal. Mas, por mais que tente escrever algo legal, sempre acabo me colocando no texto. Não que isso seja ruim – colocar-se nos próprios textos faz a alegria dos biógrafos dos gênios, esses autores que vivem a escrever sobre os seus deuses literários. Eu não queria me colocar tanto nos textos. Juro.

Nós, os autores-de-meia-tigela, não conseguimos escrever direito. As idéias vem e vão, aos montes, de uma hora para outra nos lembramos daquela moça que nos aquece a mente e o peito, e tentamos de algum modo colocá-la por entre as linhas e escrevemos – que mentira usar a 3º pessoa, sou eu que escrevo – por entre as linhas do texto como se andássemos no meio-fio da calçada, nos equilibrando para tentar fazer com que o texto não fique tão introspectivo a ponto do leitor não entender porra nenhuma e nem tão explícito para que moça de que o autor se refere nas entrelinhas não se perceba escrita naquele pedaço de papel. É um desafio.

Talvez seja mesmo melhor ser meia-tigela mesmo. Os gênios também têm seus problemas, eles peidam, cagam e espantam os mosquitos que lhe atrapalham o rosto. Os meia-tigela tem um problema à mais, só um, o que lhes dá toda a licença poética: não conseguem escrever realmente o que sentem. Nós, os meia-tigela, pensamos uma coisa, acabamos escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa, e enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.

Vemo-nos na obrigação então de sermos para sempre incógnitos nos meios literários, conhecidos somente pelos amigos a quem mostramos nossos textos. Há uma vantagem, porém. Podemos falar nos usar à vontade das digressões para que o leitor desavisado se confunda e que o texto fique realmente direcionado para quem estamos tentando falar. As pessoas podem até não entender, mas vamos assim conseguir dormir com a sensação que falamos para ela tudo o que se passa no coração. Pode até ser que ela mesma nem goste disso tudo. Às vezes imagino escrever coisas geniais, como aquelas coisas que pensamos falar, mas que esquecemos assim que viramos o rosto para procurá-la e as palavras caem como se fossem objetos que seguramos antes de esbarrarmos com uma pessoa que não estávamos esperando encontrar.

Na realidade, nós escrevemos essas linhas todas, porque não conseguimos descrever direito o que se passa na mente e no peito. Não é para entender mesmo.

Foram várias horas tentando dormir. Foram várias horas lendo e relendo esse texto Eu sei, está uma merda. Sinto isso. Mas acho que vou conseguir dormir agora. Isso é bom.

3 comentários:

  1. Caraaaaamba cara...
    Tu escreve umas coisas,digamos, profundas demais, e com um tom pseudo-intelectual (de uma forma legal, tá), e eu me identifiquei com algumas partes. De verdade.
    Confesso que tem umas partes meio confusas, mas eu não denominaria esse texto de merda.
    Ficou muito bom, juro!
    Se não tivesse ficado bom você sabe que eu diria, né?

    E... finalmente eu comecei a ler teu blog...
    Tá vendo! eu demoro, mas sempre cumpro o que eu digo

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  2. "Mas, por mais que tente escrever algo legal, sempre acabo me colocando no texto." acho que já ouvi algo muito parecido... opa, acho não, tenho certeza! ;D

    Abraços

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  3. se colocar no texto não é um dos seus maiores erros, aliás, nem erro é.
    Gostei do que li, mesmo. E de certa forma somos todos escritores de meia tigela, começando a engatinhar. Quem sabe um dia chegamos lá.
    Parabéns. (:

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