13 de março de 2011

Estou pensando em ler esse livro aqui, ó

Decidi escrever logo dois posts de uma vez. A faculdade está me rendendo boas ideias de leituras. Muitas até. Tantas eu acho que são até demais para mim. Mas é legal. Estranho é saber que só estou me sentino parte de uma faculdade agora, pois fazendo engenharia eu me sentia como uma pedra a rolar.

São tantos livros. Faz tempo que não esgoto um. Como naquela música, o tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui. Talvez a vida até essa uma realidade aumentada do que é a realidade dos livros. Nunca se faz uma leitura completa. E se a faz, há sempre algo que escapa do leitor, mesmo que seja por entre o desvario de algo maravilhosamente novo. Há tantos livros aqui. Tão pouco tempo para esgotá-los. Antigamente os ônibus demoravam mais para chegar ao destino. Havia mais tempo para ler antes de chegar ao centro. Com essas ruas esburacadas, somado os amortecedores cada vez menos elásticos do Montese/Parangaba, é cada vez mais difícil pular corretamente as linhas de um texto.

Se for contar, acho que tenho bem vinte livros ainda no prelo, para se usar essa palavra. Bonita palavra. Incorretamente, eu sei. Mas é melhor do que dizer que fico olhando para eles e não consigo precisar a data que finalmente os conhecerei. São uns estranhos em meu quarto. Queridos estranhos, para falar a verdade.

On The Road, de Jack Kerouac. Nem era para estar aqui. Era um presente para uma namorada. Ia fazer uma caixinha de papelão e dá-lo de aniversário. Iria ficar bem bonito. Ou pelo menos seria o que eu gostaria de ganhar. Bem, a namorada já não existe há muito, mas o Jack ainda está ali, perto do Contos de Fadas Politicamente Incorretos, que roubei de uma biblioteca. Esse último sim, eu li. Mas o Jack continua lá. Acho que já li tanto sobre esse livro que nem preciso lê-lo mais. É angustiante. Comecei a ler a biografia do cara pela internet e conheci a Geração Beat americana, e de autor em autor, de descoberta em descoberta, larguei o livro. O tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui.

Há também o Will Durant, com sua História da Civilização, que o Tiago há 5 anos tenta me convencer a ler e só agora peguei emprestado na biblioteca. São 11 volumes, uma monumental pilha de mais de 8200 páginas. Só agora peguei o primeiro volume, de 686 páginas. Tão grandes livros para tão curta a vida.

Certa vez, numa outra postagem, disse que havia deixado de lado dos estudos vestibuleiros para me aprofundar em História do Brasil. Pois é, deixei mesmo de estudar – engraçado, estudando pacas eu nunca consegui nada, deixando de estudar consegui até certa glória por entre os familiares – e passei a ler um livro que encerrava a história republicana do Brasil. Nunca mais peguei no livro depois do golpe de 64. Não porque me tenha dado um asco de estudar brasilidade, mas porque, simplesmente, lembrei que à tempos não lia James Joyce – aliás, faltou um conto para ler em Dublinenses. Falando nisso, ainda não terminei de ler Retrato do Artista Quando Jovem.

Falta ainda pouco mais de um dedo de páginas do livro de História do Brasil. O marcador ainda está lá. O Retrato ainda não terminei também. Will Durant nem comecei. A cada novo livro há toda uma história de tentar terminar algo, conhecer por inteiro a pessoa que o escreveu. Mas isso é uma grande mentira.

Esse lance de deixar os livros pela metade certamente explica o porquê livros são apenas o microcosmos de uma grande idiotice, que é a de se achar que só se vive uma vida. Por exemplo, a cada nova pessoa que você jura que está a gostar há a necessidade de se adaptar à nova pessoa. Seja ou não deliberado, o ser humano muda qualquer nuance do seu ser para se encaixar no outrem. Aí o relacionamento termina e já não somos mais o que éramos antes, e o ser anterior, que já era inacabado, é substituído por um outro, que antes de se reconhecer inacabado, já é difícil de se reconhecer como novo. O ruim dos sentimentos eterno são os rompimentos definitivos.

Sim, se vive várias vidas. Não que se demore mais para morrer, mas que se, por um passe de mágica, nos fosse dada a oportunidade de nos encontrarmos com outro de nós, como um você mais novo, ou mais velho, poderia haver um grande estranhamento. Sim, o Eu-Hoje com certeza recriminaria o Eu-15-anos por pensar que o amor é algo inglório, e talvez o Eu-60-anos perguntaria a esse que recrimina, o que afinal, ó jovem de vinte anos, é o amor? Seriam esses três ainda os mesmos? Ou só uma seqüência inumerável de projetos largados e outros começados? Alguns abortados, quem sabe. A angústia de perceber isso pesa mais sobre os ombros de quem tem vinte anos do que do quinze anos, jovem ainda cheio de projetos e poucas perdas; e ainda menos nos de sessenta anos, esse senhor, que há muito deixou de ser escravos de suas expectativas. É diferente também o peso das paixões, dos empregos, a perda, e mais o importante, julgo, o peso da morte.

Há muitos livros da faculdade – penso que terminarei somente ás duras penas – para ler, Eric Hobsbawn terá que esperar. Sorte que há bons textos de Semiótica da Comunicação para quem ainda é iniciado na academia.

Sorte, porém, na realidade, que na maior parte do tempo usamos a cabeça para lapidar os projetos atuais ou para engendrar projetos novos. Não muito comumente nos damos contas dos projetos passados que não resultaram em nada, só mesmo no projeto de um projeto.

Bem aventurado aquela pessoa que não se angustia por isso. Porque sabe que no final das contas, se preocupar com isso é besteira. Não há como realizar tantos projetos. Talvez foi pensando nisso que Pitágoras cunhou o termo filosofia. Pressupôs ser possível só aos deuses uma Sofia (sabedoria), ou seja, a posse certa e total do verdadeiro, enquanto era reservado ao homem mortal apenas uma tendência à Sofia, uma contínua aproximação do verdadeiro, um amor ao saber nunca totalmente saciado – de onde vem, justamente, filosofia, ou seja, amor pela sabedoria.

Creio que foi pensando sobre isso também que Hélio Pelegrino escreveu:

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."

O projeto acabado não vem com a última página do livro. Muito menos sob o crivo de alguma instituição de ensino, nem sobre o epíteto de Currículum Vitae.

O projeto acabado só se percebe depois das flores postas em volta do travesseiro.


Um comentário:

  1. Também tenho muitos livros que estão esperando para serem lidos... chato isso, não?
    E "On The Road" é um livro que faz tempo que ler também.

    E eu acho que as aulas estão te fazendo mal. Eu vi tanto o Hugo como o Wellington falando nesse post.

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